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FURTO EM IMÓVEL LOCADO – QUEM RESPONDE PELOS PREJUÍZOS?

Não é segredo para ninguém que, atualmente, nosso país vive uma grave crise de segurança pública. Todos os dias, escutamos casos de conhecidos, amigos e familiares que foram vítimas de atos criminosos, como furto ou roubo. Isso quando não acontece com nós mesmos.

 Neste contexto e dentro do universo das locações, um ponto que suscita dúvidas é sobre eventuais responsabilidades advindas de furto ou roubo em imóvel locado.

Em primeiro lugar, apenas para fins didáticos, vamos à diferença, a grosso modo, entre roubo e furto: embora ambos se refiram a ato de subtração de coisa alheia, o primeiro é efetuado mediante violência ou grave ameaça, enquanto que o segundo não. É a diferença entre um assalto à mão armada e uma invasão silenciosa a uma residência enquanto seus moradores encontram-se fora.

Pois bem. Não existe, na Lei de Locações, uma previsão específica sobre o tema, de modo que suas conclusões demandam análise sistemática entre as normas gerais do inquilinato e da responsabilidade civil presente no Código Civil.

Em tese, aquele que, por ação ou omissão voluntária, causar dano a alguém, terá o dever de indenizar.

 E no caso do furto/roubo em locações, de quem é a culpa? Vejamos algumas situações.

Imagine-se uma locação residencial de imóvel mobiliado, isto é, com toda a mobília fornecida pelo locador e que deve, consequentemente, ser restituída incólume ao final do contrato pelo locatário.

Se um meliante invade o imóvel e subtrai diversos itens da mobília, o locatário será obrigado a ressarcir o locador? A resposta é negativa.

Muitos devem questionar o porquê, se, de acordo com o artigo 23, III, da Lei de Locações, o locatário é obrigado a restituir o imóvel, finda a locação, no estado em que o recebeu, salvo as deteriorações decorrentes do seu uso normal.

Ocorre que, neste caso, a perda da mobília ocorreu sem culpa do locatário. Trata-se do que se chama, na matéria de indenizações, de excludente de responsabilidade por caso fortuito.

O Código Civil possui disposição específica sobre essa hipótese, estabelecendo que o perecimento/deterioração – e aqui pode-se considerar a perda – da coisa a ser restituída, sem culpa do devedor, não gera o dever de indenizar:

Art. 240. Se a coisa restituível se deteriorar sem culpa do devedor, recebê-la-á o credor, tal qual se ache, sem direito a indenização; se por culpa do devedor, observar-se-á o disposto no art. 239.

 

A conclusão é exatamente a mesma se, além da subtração dos bens, os criminosos causarem danos ao imóvel. Neste caso, podemos exemplificar o arrombamento de portas e janelas, quebra de telhas, etc. O locatário não tem o dever de indenizar e o locador, ainda, deverá providenciar a reparação a fim de manter o imóvel em condições de ser usado ao fim locado.

O que precisa ficar claro é que, não havendo culpa do locatário por se tratar de caso fortuito, entende se estar diante de deterioração decorrente do uso normal.

Neste sentido, podemos citar decisão que, embora antiga, permanece atual em sua análise:

LOCAÇÃO. IMÓVEL MOBILIADO. FURTO PRATICADO NO INTERIOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. EXCLUSÃO NA AUSÊNCIA DE CULPA DO LOCATÁRIO. CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR. DE ACORDO COM O ART. 23 , INC. III DA LEI N.º 8.245 , DE 18.10.91, “O LOCATÁRIO É OBRIGADO A RESTITUIR O IMÓVEL, FINDA A LOCAÇÃO, NO ESTADO EM QUE O RECEBEU, SALVO AS DETERIORAÇÕES DECORRENTES DO SEU USO NORMAL”. ESSA OBRIGAÇÃO, EM RELAÇÃO AOS MÓVEIS QUE O GUARNECIAM, DEIXARÁ DE SER EXIGIDA, NO CASO DA OCORRÊNCIA DE FURTO DE MÓVEIS DO INTERIOR DO IMÓVEL SEM CULPA DO LOCATÁRIO, CONSOANTE O ART. 1.058 DO CÓDIGO CIVIL, VERBIS: “O DEVEDOR NÃO RESPONDE PELOS PREJUÍZOS RESULTANTES DE CASO FORTUITO, OU FORÇA MAIOR, SE EXPRESSAMENTE NÃO SE HOUVER POR ELES RESPONSABILIZADO, EXCETO NOS CASOS DOS ARTS. 955, 956 E 957. PARÁGRAFO ÚNICO. O CASO FORTUITO, OU DE FORÇA MAIOR, VERIFICA-SE NO FATO NECESSÁRIO, CUJOS EFEITOS NÃO ERA POSSÍVEL EVITAR, OU IMPEDIR.” 2. O REQUISITO OBJETIVO DA FORÇA MAIOR OU DO CASO FORTUITO CONFIGURA-SE NA INEVITABILIDADE DO ACONTECIMENTO, E O SUBJETIVO, NA AUSÊNCIA DE CULPA NA PRODUÇÃO DO EVENTO. ASSIM SENDO, O LOCATÁRIO, QUE NÃO AGIU COM CULPA PARA A PRODUÇÃO DO EVENTO, NÃO PODERÁ SER RESPONSABILIZADO A INDENIZAR O LOCADOR PELO FURTO DE MÓVEIS DO INTERIOR DO IMÓVEL LOCADO, MESMO QUE PRATICADO DURANTE A VIGÊNCIA DO CONTRATO DE LOCAÇÃO. 3. ESTÁ CONSAGRADO EM NOSSO DIREITO O PRINCÍPIO DA EXONERAÇÃO DO DEVEDOR PELA IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIR A OBRIGAÇÃO SEM CULPA SUA. O CREDOR, ASSIM, NÃO TERÁ QUALQUER DIREITO A INDENIZAÇÃO PELOS PREJUÍZOS DECORRENTES DE FORÇA MAIOR OU DE CASO FORTUITO. 4. O FURTO PRATICADO NO INTERIOR DE RESIDÊNCIA NÃO DEIXA DE SER UM CASO FORTUITO, PORQUE É UM FATO IMPREVISÍVEL QUE SE ENCONTRA DESLIGADO DA VONTADE DA VÍTIMA DA SUBTRAÇÃO. TJ-DF – ACJ: 84199 DF, Relator: ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, Data de Julgamento: 10/08/1999, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F., Data de Publicação: DJU 20/09/1999 Pág. : 28)

 

Cracked and broken glass window

E hipótese invertida, em que os bens levados por criminosos pertençam exclusivamente ao próprio locatário, teria o locador alguma responsabilidade de ressarcimento?

A resposta é, novamente, negativa!

Isto porque, para tanto, é aplicada a mesma ordem de raciocínio. O locador teve alguma culpa pelo evento crime? Não. O locador é garantidor da segurança pública nas imediações do imóvel locado? Não.

Portanto, também por se tratar de caso fortuito, que não tem como ser previsto, ocasionado por terceiros estranhos à relação contratual, não pode o locador ser responsabilizado a ressarcir o locatário.

O Poder Judiciário é tranquilo nesta linha de entendimento:

APELAÇÃO – AÇÃO INDENIZATÓRIA – Furto em apartamento – Tentativa de responsabilização do réu, seja porque locador, seja porque proprietário de todas as unidades condominiais do edifício – Impossibilidade – Como locador, inexiste dever legal ou contratualmente assumido de garantir a segurança pública no local – Como proprietário e administrador do prédio, igualmente, não assumiu o dever de responsabilização pela segurança gente a casos fortuitos (art. 393 do CC) – Manutenção da sentença – Negado provimento. (TJSP; Apelação 1012843-52.2015.8.26.0002; Relator (a): Hugo Crepaldi; Órgão Julgador: 38ª Câmara Extraordinária de Direito Privado; Foro Regional II – Santo Amaro – 8ª Vara Cível; Data do Julgamento: 20/09/2017; Data de Registro: 20/09/2017)

Por fim, é importante deixar claro que estas conclusões se referem à regra, mas, no direito, sem existirão exceções a depender do caso concreto.

Podemos exemplificar, como exceção à regra geral, situações que uma das partes se comprometa, expressamente no contrato, por ressarcir danos decorrentes de caso fortuito e força maior. O Código Civil assim preconiza:

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Isto significa que se o contrato de locação prever a responsabilidade de alguma das partes por eventos fortuitos ou de força maior, a indenização será, sim, cabível. Por evidente, trata-se de disposição contratual difícil de ser encontrada na prática.

Outro ponto que poderá ensejar a responsabilização de alguma das partes reside na análise do elemento culpa.

Mesmo que, em regra, caso fortuito ou força maior não gerem o dever de indenizar e, também em regra, atos de criminosos enquadrem-se nesses conceitos, é possível que, no caso concreto, alguma parte tenha agido de forma negligente ou imprudente.

 Para exemplificar, coloquemos o seguinte evento: em meio a uma quermesse de rua, que é muito comum no mês de julho, o locatário de imóvel residencial, que conta com mobília pertencente ao locador, deixa sua residência com as portas abertas, permitindo que qualquer pessoa da presente na festa tenha trânsito livre ao interior do imóvel.

 Em ocorrendo um furto, por exemplo, de um micro-ondas, é certo que o locatário, por ter agido de forma negligente, deverá ressarcir o locador pela perda.

Por último, vale trazer um interessante caso ocorrido no Rio Grande do Sul e que demonstra bem as diferentes nuances do tema aqui analisado.

Diz respeito a um imóvel que havia sido ofertado à locação por diversas imobiliárias diferentes e, mesmo após uma delas ter firmado um contrato, outra, de forma negligente e até mesmo imprudente, forneceu as chaves para um pretendente, sozinho, visitar o local. Referido pretenso locatário, na verdade, era um criminoso que, com a ajuda de comparsas, adentrou no imóvel já locado por terceiros e furtou diversos bens a eles pertencentes.

De acordo com a decisão abaixo transcrita, o Poder Judiciário entendeu por condenar a imobiliária imprudente a ressarcir os locatários que tiveram seus bens furtados:

RESPONSABILIDADE CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA.- Caso em que a demandante CAMILA é parte legítima a figurar no polo ativo da lide a partir da alegação de ter sofrido prejuízos com o furto de objetos em imóvel locado com seu namorado – A legitimidade da ré mostra-se presente sob a circunstância de a ela ter sido imputada a falha que acarretou em prejuízos indicados pelos demandantes com a inicial. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. PRECLUSÃO – Intervenção de terceiro que foi afastada quando do saneamento do feito, não cuja decisão ensejou a apresentação de Agravo de Instrumento pela ré, sendo afastada a pretensão recursal, mostrando-se, pois, preclusa a questão. AÇÃO INDENIZATÓRIA. FURTO OCORRIDO EM IMÓVEL LOCADO. RESPONSABILIDADE DA IMOBILIÁRIA REQUERIDA. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO – Caso em que os autores alugaram apartamento em contrato havido por intermediação de FERREIRA IMÓVEIS LTDA., estando o imóvel ofertado em mais de uma imobiliária, dentre elas na ré IMOBILIÁRIA DIMÓVEL LTDA. Situação em que preposto da requerida disponibilizou a chave do apartamento anunciado a pretenso cliente, tendo este adentrado no imóvel, juntamente com outros comparsas, e procedido na subtração de pertences dos demandantes – Responsabilidade civil da imobiliária ré. evidenciada desde a negligência e desídia para com o exercício da atividade comercial desempenhada. Entrega das chaves sem qualquer acompanhamento de funcionário, em desatenção a contrato de intermediação e administração de imóveis firmado com o proprietário da unidade. Violação a dever de contrato que atingiu terceiros, ora requerentes – Culpa exclusiva ou concorrente dos demandantes não evidenciada. Inexistência de obrigação dos locatários em proceder na troca do miolo das chaves. Autores que ainda estavam realizando a mudança para o apartamento, não havendo como se esperar, dado as inúmeras necessidades que se têm de implementar quando se muda para um imóvel, que procedessem de imediato na substituição do miolo das chaves – Danos morais ocorrentes. Postulantes que tiverem seu imóvel acessado por meliantes, subtraindo-se bens que serviriam para guarnecer a residência do casal, situação que ultrapassa, em muito, os meros dissabores do cotidiano – Inexistindo critérios objetivos de fixação do valor para indenizar por dano moral, cabe ao magistrado delimitar quantias ao caso concreto. Valor fixado em R$ 3.000,00 (três mil reais) para cada autor – Dano material. Apuração a partir do quanto referido pelos meliantes em termo de declarações à autoridade policial e na… descrição de bens constantes nas notas fiscais. Prejuízo material liquidado. POR MAIORIA, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDO O RELATOR. (Apelação Cível Nº 70076384858, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcelo Cezar Muller, Redator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 30/08/2018).

Como se vê, o tema de responsabilidade civil é um oceano muito farto e é capaz de gerar infindáveis análises, sempre a depender de cada caso concreto!

Bruno Perelli

Bruno Perelli

Advogado formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, especializado em direito civil e com extensão em direito de família e lei de locações. Atua há mais de 10 anos assessorando redes dos ramos de bares, restaurantes e lanchonetes, postos de gasolina, clínicas e hospitais médicos e odontológicos, agência de viagem, construtoras, além de Startups de diferentes campos de atuação, tais como transporte privado e lawtech. Em 2018, embasado na experiência e nos valores absorvidos neste tempo, co-fundou a banca RP Sociedade de Advogados – RPSA (www.rpsa.com.br) , escritório focado no atendimento à micro e pequenas empresas, e também no assessoramento de pessoas físicas